Quarenta e seis marços atrás...
Eu não passava de um menino curioso de apenas seis anos de idade.
Vivia em Lorena, na face paulista do Vale do rio Paraíba do Sul, distante 180 km de São Paulo e 224 km do Rio de Janeiro pela Rodovia Presidente Dutra.
Frequentava o tradicional Jardim da Infância “Vovó Fiuta”.
Brincava sobre os muros e nos galhos das árvores enraizadas no quintal da casa que morava com meus pais e minha única irmã à época.
Era vidrado em circo, especialmente nos shows de mágica e nas palhaçadas do palhaço Carequinha. Adorava um estilingue e uma bola de futebol. Televisão somente nas casas do vizinho e dos avós.
Rádio. Muito rádio. AM.
Tarde de princípio de outono do emblemático ano de 1964.
De repente correria, zunzunzum, olhares assustados, adultos cochichando pelas esquinas, escolas fechadas, bares, padarias e ‘vendas’ com as portas abaixadas e criançada guardada à sete chaves.
Um ‘tanque de guerra’ do 5º RI (Regimento Itororó) – sediado lá mesmo na Terra das Palmeiras Imperiais – estacionado com toda sua arrogante imponência no meio da praça principal distante três quarteirões do meu quarto.
Tropas do ‘glorioso’ exército brasileiro marchando com fuzis em punho pelas ruas do centro.
Um ar tenso pairou sobre o lar do meu avô materno, oficial daquele quartel.
Um tenso ar também pairou sobre os demais lares do povoamento urbano.
Todas as emissoras de rádio, através de transmissões irritantemente roucas como as do lendário “A Voz do Brasil”, não falavam em outra coisa a não ser de uma tal revolução meia-boca que, anos não tão mais tarde assim, eu descobriria tratar-se apenas um golpe meia-boca promovido por reacionários meia-boca de extrema direita, que detinham um arsenal bélico meia-boca e uma maneira meia-boca de respeitar os direitos do cidadão.
São essas as cenas que o fenômeno denominado memória proporciona-me daquele dia esquisito.
E esse foi o vídeo-tape ressuscitado em meus neurônios - sob cervejas e lágrimas - naquela tarde/noite das Diretas-Já, quando duas décadas depois, cercado pelos demais 1.499.999 presentes no Vale do Anhangabaú, ouvi aquele surreal veredicto.